segunda-feira, novembro 06, 2006
fogo amigo
sexta-feira, novembro 03, 2006
coisas para se fazer na Presidência da República quando você não está morto
Em 31 de agosto de 1981, cerca de 13 mil controladores de vôo, dos 17,5 mil que eram da Organização Profissional de Controladores do Pacto Aéreo (PATCO), cruzaram os braços. Era verão nos EUA; época de muitas viagens, e a intenção dos controladores de vôo era exatamente provocar o caos nos aeroportos para ter suas reivindicações atendidas. Que eram salários mais altos, menos dias de trabalho por semana, e uma aposentadoria mais cedo, aos 20 anos de serviço, com o argumento de que a profissão é uma das mais estressantes do mundo (e é mesmo; jornalistas e socorristas de ambulância também sofrem o mesmo nível de estresse, aliás). No mesmo dia, Reagan, que não estava descansando na praia, avisou: ou eles voltavam a trabalhar em 48 horas ou iriam ser punidos. Uma lei de 1955 instituía até cadeia para funcionários federais nos EUA - nada tão duro como o massacre dos grevistas, que Trotski praticou contra marinheiros de uma base russa, mas para padrões ocidentais, uma medida bem dura. Mesmo assim, a lei não "havia pegado" em anos anteriores, e não impediu 22 greves de funcionários neste período, inclusive dos controladores em 1969 e 1970.
Reagan viu nesta crise uma oportunidade -a de mostrar para o país que era um presidente mais presidencial do que o antecessor Jimmy Carter, que hoje tem a imagem de humanitário mas saiu com fama de bunda-mole por tentar contentar a todos e não satisfazer a ninguém. O plano de emergência da agência federal de aviação (FAA) botou cerca de 3 mil supervisores ao lado de 2 mil controladores de vôo que não aderiram à greve, mais 900 controladores de vôo das forças armadas para segurar o intenso tráfego aéreo americano. Isso significou a redução do número de vôos e até o fechamento de pequenos aeroportos. Os líderes da PATCO previram acidentes e o caos por causa do plano - o que não aconteceu. Cerca de 80% dos vôos marcados, durante a greve, saíram do ar na hora prevista.
A escola de treinamento de controladores da FAA em Oklahoma City abriu vagas para treinar novos profissionais, num curso que duraria de 17 a 20 semanas - e apareceu o quádruplo de candidatos suficientes para preencher as vagas. Todos de olho nos salários dos controladores, que já eram altos, e não se importando muito com o estresse.
Esses altos salários, mais a interpretação de que os controladores estavam se lixando para o resto do mundo, fez com que a população ficasse do lado do governo, e não dos grevistas. Houve alguma tentativa de solidariedade de controladores de vôo de outros países (os do Canadá e Portugal boicotaram por dois dias vôos dos EUA, mas foi só) e protestos de outros líderes sindicais, mas mais porque estes viram no que daria o fracasso da greve - a diminuição do poder político dos sindicatos. Pilotos e mecânicos de avião, chamados para aderir à paralisação, continuaram trabalhando, apesar do apelo do presidente da AFL-CIO, Lane Kirkland, de que Reagan estava fazendo um "massacre" na repressão aos controladores parados.
Não chegou a ser como Trotsky gostaria, mas foi realmente um massacre. Líderes da PATCO foram para a cadeia, porque o governo resolveu cumprir a tal lei de 1955. O Departamento de Justiça indiciou 75 controladores de vôo. Juízes federais (lá não tem justiça do trabalho) determinaram multas contra a PATCO que chegaram a U$ 1 milhão por dia parado. Mais de 11 mil controladores foram demitidos no dia 5 de agosto de 1981 - ou seja, Reagan prometeu e cumpriu - e 1,2 mil largaram a paralisação depois de uma semana. Em outubro, a Agência Federal de Relações de Trabalho tirou o certificado de funcionamento da PATCO.
A dureza continuou: dois meses depois do fim oficial da greve, em novembro de 1982, um comitê do congresso recomendou a recontratação de alguns dos grevistas, dizendo que os EUA tinham apenas dois terços do número destes profissionais necessários para a completa segurança dos vôos no país. O secretário de transportes Drew Lewis, que havia treinado secretamente os substitutos dos grevistas, durante as negociações no primeiro semestre de 1981, cortou logo a conversa e nem quis receber Robert Polit, líder da PATCO. Dois anos depois, mesmo com 20% a menos de controladores em relação aos anos anteriores à greve, o tráfego aéreo tinha crescido 6% sem problemas.
E Reagan? O primeiro presidente eleito a ser sindicalizado da AFL-CIO também se tornou o primeiro presidente a derrubar o movimento sindical em 60 anos -e saiu daí com a imagem de líder necessária para passar outras mudanças e reformas que reergueram a economia americana e o fizeram se reeleger e eleger seu vice como sucessor. "Eu apoiei sindicatos e os direitos dos trabalhadores para se organizar e negociar coletivamente em toda a minha vida, mas nenhum presidente pode tolerar uma greve ilegal de funcionários federais", ensinou este presidente em suas memórias. Mas nem todo presidente gosta de ser presidente, só gosta de ser eleito presidente.
quarta-feira, agosto 30, 2006
Reflexo no chão

Reflexo de poça na esquina da Frei Caneca com a Rua de Santana. Esqueci de dizer: meu interesse é tirar fotos com o mais antiquado tipo de filme - preto-e-branco - e com a mais vagabunda das câmeras - uma Mirage Pop de foco fixo que sai por 20 paus nas boas lojas do ramo - e ver até onde eu posso ir com essa privação de meios. As fotos abaixo também foram tiradas pela Mirage Pop.
sábado, agosto 26, 2006
uma ida ao teatro
domingo, julho 02, 2006
Colonia de Sacramento

segunda-feira, junho 26, 2006

Quando faço algum passeio sozinho, gosto de levar um caderno de esboços para fazer desenhos, é o que consegue me relaxar mais completamente hoje em dia. Os desenhos abaixo foram feitos durante uma viagem a Niterói, para uma exposição no MAC. Foi um passeio de barca em um dia em que a havia uma regata na Baía de Guanabara. A regata rendeu dois desenhos, um dos quais está mais abaixo. Este ficou o melhor, com dois barcos diante das pedras do Morro da Urca.
De volta ao Rio

Na volta de Niterói, consegui desenhar com alguma precisão um paquete que circulava perto da barca e um sujeito sentado no cais, tentando criar alguma graduação nos tons escuros da pele, do rosto encoberto pelo boné e a bolsa que ele segurava. Do tamanho que tá o desenho, acho que fracassei. Mas para um caderno de esboços até que tá bom
Na barca
domingo, junho 18, 2006
Qual o melhor regime para se ganhar a Copa?
Lebanovsky foi lembrado por um sujeito chamado Franklin Foer em um artigo da New Republic na qual Foer tenta responder qual o melhor regime político para um país ganhar a Copa do Mundo. Ele lebanoviscou uma série de dados históricos e reparou o seguinte: regimes comunistas produziram bons times - mas nenhum jamais ganhou a Copa do Mundo. O fascismo, em compensação, bateu um bolão nos anos 30 - a Itália ganhou duas copas, a Alemanha ficou em terceiro na Copa de 34 e o Brasil, em terceiro, em 38 (Foer não tem problemas em chamar o Estado Novo de Vargas daquilo que ele realmente foi). A causa, ele arrisca, deve ser pelo fato de o fascismo ser um regime que exige fidelidade extrema à pátria acima de tudo, especialmente quando ela está de chuteiras, incentivar os esportes e a higiene, gerando um bom ambiente para a criação de atletas, e também criar um medo de perder. "Quem vai querer decepcionar um líder que pode mandar quebrar suas pernas e aprisionar sua avó?", resume.
Mas países prestes a cometerem genocídios tiveram desempenhos pífios, muito pífios, como a Alemanha em 1938, que perdeu todas, e a Iugoslávia em 1990, anotou Foer. Para convencer alguém motivado por ódio racial ou de classe a não sair matando cegamente, talvez este argumento seja mais convincente do que "só a paz constrói" ou similares.
Ditaduras militares conseguiram bons resultados, caso do Brasil em 1970 e da Argentina em 1978, admite Foer. Mas isso não é uma regra, se lembrarmos participações vexaminosas de outras seleções governadas por este mesmo tipo de regime, ele ressalva. O melhor, segundo as estatísticas dele, são os governos sociais-democratas - e que tenham uma economia industrial forte. Somente uma economia industrial forte gera um proletariado que fornece craques de futebol e dinheiro para financiar campeonatos onde eles possam se desenvolver. Além do mais, a social-democracia deixa espaço para a coexistência do individualismo e da solidariedade - ou seja, cria o clima necessário para uma equipe integrada e com craques que desequilibram um jogo, de acordo com Foer.
O artigo está em http://www.canada.com/components/print.aspx?id=00e55e55-44af-4a6c-9b9d-5f175b69c430. Mas ele é um resumo do que Foer escreveu em "The Thinking Fan's Guide to the World Cup".
segunda-feira, junho 12, 2006
o passado que condena
Ele deu o nome. É claro, como eu podia ter esquecido? Se houvesse alguém que simbolizasse não o desprezo, mas o ódio e o escárnio total a qualquer interesse por aprender alguma coisa que se ensinasse naquela escola - algo muito comum, aliás - esse era O cara. Infelizmente não viveu na Alemanha no fim dos anos 30: ninguém mais do que ele gostaria de fazer fogueiras com livros naqueles comícios nazistas - embora a cabeça chata e o cabelo carapinha preto provavelmente não fosse pegar bem. Batemos um papo rápido, ele disse que outros estudantes de lá apareciam na padaria, mas geralmente não se identificavam. Daqui a pouco ele cortou:
- Lembra dum japonês?
Eu lembro de muita coisa da escola: surra, cheiro de misto quente, máquina de coca-cola, futebol de salão mesmo depois das luzes das quadras serem apagadas, meninas louras que me trataram mal, meninas morenas a quem tratei mal, meninas morenas que tratei mal de vingança por eu tratá-las mal, a biblioteca da escola. Mas não lembrava de "um japonês".
- Era um japonês inteligente, que estudava prá caramba.
Não ajudou muito. Não, não lembrava.
Isso não o desestimulou e ele foi em frente:
- Pois é. Virou viado.
- Ahn... mas assim é a vida, né?
O subtexto do diálogo é: "tudo bem que eu não tenha aproveitado a chance de uma educação sólida e tenha acabado calculando trocos de cigarros a varejo nesta caixa de padaria. O importante é que eu não VIREI VIADO. Porque o japonês estudou e VIROU VIADO! Já pensou se eu tivesse estudado muito? Eu poderia ter ficado muito inteligente e VIRADO VIADO também, que horror, que nojo, odeio VIADO, Deus que me livre!!!"
Pensando bem, toda aquela educação não foi tão sólida assim.
quarta-feira, maio 24, 2006
Museus e propaganda
O Museu Nacional de Bellas Artes é bem mais fornido que o congenere brasileiro (nao acho o acento circunflexo também): tem Rembrandt, Gauguin, Cezzane, Courbet, Picasso, etc. Mas além das atraccoes mais evidentes, me chamou a atenccao um quadro mostrando um ataque de índios argentinos em um ataque. Todos sao retratados com carantonhas ameacadoras, um segura uma cruz como se fosse uma lanca, outro, um baú e um terceiro, uma mulher branca, muito branca, parecendo de mármore na comparacao com o cavaleiro que a raptou. O curioso é que uma placa ao lado diz que o quadro foi pintado em 1892 - quando os mallanes, a tribo retratada como bárbaros que vao levar o que há de mais caro na sociedade, a fé, a pureza das mulheres e a propriedade, já haviam sido dizimados na guerra movida pelo governo argentino e executada pelo general Roca. Outro quadro interessante é europeu, do século XVII: a "Luta contra a Morte", encarnada em esqueletos que disparam flechas em um grupo de pessoas onde há reis, rainhas, soldados, camponeses, padres, etc. A tela era um lembrete de que todas as classes sociais se igualavam na morte, que nao poupava ninguém - um memento mori que devia ser especialmente destinado aos monarcas como o rei e a rainha mostrados impotentes na tela.
Amanha é o Dia Nacional do Representante de Venda de Remédios ou coisa parecida aqui na Argentina, segundo o guia da "Time Out" que levo para cima e para baixo: eles superaram o Brasil, que instituiu o 28 de agosto como Dia da Sogra (se nao me falha a memória e a agenda de estudante que eu tinha que gravava todas as datas comemorativas do país). É também uma data nacional mais importante, acho que a independencia, agora eu esqueci. E Néstor Kirchner marcou uma grande manifestacao de apoio para amanha por causa disso. Acho que vou acabar indo para lá.
terça-feira, maio 23, 2006
brasileñas e brasileños
Foi o que bastou para fundir a cuca das representantes de nossa elite.
- Ela morreu em 1982, né?
- Nao, ela morreu em 1997. Olha lá a placa. Ela nasceu em 1952 e morreu em 1997.
- Eu acho que nao - interveio um dos maridos. - ela nasceu em 1952, morreu em 1982, MAS (brasileiro sempre levanta a voz para dizer "mas" em uma discussao) foi enterrada AQUI (levantar a voz de novo serve para marcar posiçao - é como o macaco que berra mais alto no bando para dizer que ele tem direito a comer o formigueiro primeiro do que os outros chimpanzés) em 1997.
- Ela morrió en 1952 - disse um funcionário do cemitério que observava a discussao bizantina. Mas nao foi ouvido.
- Ela morreu em 1997, olha a placa! - insistia uma das mulheres.
- Será que ela nasceu em 1917 e morreu com cem anos? - foi a nova hipótese lançada no debate, tal qual a luva de Ivanhoé, pela outra brasileira.
- Peraí, ela nasceu em 1982 e morreu em 1997, foi isso.
Me afastei sem olhar para trás. Mas nao funcionou. Logo depois, os dois casais encontraram-se com o bando de turistas ao qual pertenciam, que pareciam ter finalmente se reagrupado na entrada do cemitério, após todos terem se perdido.
- O túmulo da Evita é lá - apontou uma das senhoras, para uma direçao ao léu - nós já vimos - continuou, afetando superioridade - mas olha, é muito simplezinho.
Fiquei com vontade de dizer "mas o túmulo é limpinho e dorme no emprego".
segunda-feira, maio 22, 2006
Na Argentina
Em compensaçao, há uma divertida feira de arte moderna em Buenos Aires, o Arte BA, na Rural. Sei lá o porque do nome. A feira toda é como as diversas políticas de Franklin Roosevelt para vencer a depressao. Tomadas uma a uma, existem muitas falhas e fracassos nos stands das galerias. Mas o efeito conjunto é animador, entusiasmante. O mais interessante, engraçado, sao duas obras artísticas ligadas à música. Heavy Mental é uma criaçao de um sujeito que fez letras de heavy metal copiando textos de Foucault, Guattari e Lyotard. E tem a ver. Heavy Metal e filosofia francesa contemporanea reclamam de problemas inexistentes em tom sempre derrotista. É engraçadíssimo. Outra experiencia, mais divertida ainda, é o Pequeno Bambi. Um grupo punk de duas cantoras que se fantasiam de gato de teatro infantil e cantam em tom de rock músicas bregas em espanhol, como "Por que será".
quarta-feira, maio 10, 2006
O questionamento da questão
Mas por quê eu fui conferir, mesmo assim?
Porque era barato.
Porque gosto do Clima do Centro Cultural Telemar.
Porque tinha homem pelado.
Explicando a última frase: estava querendo desenhar uns esboços de corpos humanos. Na foto de divulgação, tinha corpo humano pelado. R$ 10 para uma sessão de modelo vivo - negoção.
Sim, foi um bom negócio até minha mão esquerda começar a latejar e eu ter de guardar a caneta. Mas a partir daí, ficou chato. Os atores (dois homens e uma mulher) alternavam poses nus. Um deles ficou na porta, obrigando os espectadores a pular por cima dele para entrar. Uma reflexão, um questionamento,uma discussão sobre como nossa liberdade é limitada por outrem.
Hmmm... entendi, entendi...
Lá pelo meio do espetáculo, um ator me interpelou - acho que era uma forma de provocar reação do público; isso era velho antes de eu nascer - que a minha camisa vermelha o incomodava. "Se eu disser que sua camisa não é vermelha, é azul, aí eu vou dizer que ela é azul, e você , que é vermelha. E vai ter gente dizendo que é amarela. E isso cria um problema. Entendeu?"
Mantive o sorriso discreto. Nestas horas, o mais importante é manter o sorriso discreto. Mas não entendi não. Um oftalmologista diagnostica daltonismo e acaba o problema.
A lembrança mais vívida é mais uma vez experimentar aquele curioso fenômeno físico que acompanha a sensação de tédio e aborrecimento: a calça parece começar a apertar o seu corpo, a bunda parece querer ejetar a base de sua coluna vertebral, não se acha uma boa posição para sentar. A chatice elimina a capacidade de abstração.
quarta-feira, abril 26, 2006
Outro desenho
terça-feira, março 07, 2006
Viva o dia internacional da mulher
As palavras são de Phyllis Chesler, feminista professsora emérita de psicologia e Estudos da Mulher na City University do New York's College, en Staten Island, e autora do livro "A Morte do Feminismo: O que vem sa seguir na luta pela liberdade das mulheres" - de onde saiu o artigo publicado no endereço http://chronicle.com/temp/email2.php?id=pXgdqcZYzSdrCxdn2ytfR4qnjmpj85xm . O título: "O Fracasso do Feminismo".
Eis outros trechos:
"Para meu horror, a maior parte dos acadêmicos ocidentais e feministas não se focaram no que chamo de apartheid de gênero no mundo islâmico, ou em sua profunda penetração na Europa. Tais feministas também falharam em lidar adequadamente com as realidades complexas da liberdade, tirania, patriotismo e auto-defesa, e com o conceito de uma guerra justa. Os terroristas islâmicos declararam uma jihad contra o 'Ocidente Infiel' e contra todos nós que buscamos a liberdade,. Mulheres no mundo islâmico são tratadas como subumanas. Embora algumas feministas tenham soado o alarme sobre isto, um número muito maior ficaram em silêncio."
"Porque as acadêmicas feministas e jornalistas são agora tão pesadamente influenciadas pelo pensamento de esquerda, muitas agora acreditam que falando contra escarificações, véus, chador, casamentos arranjados, poligamia, gravidez forçada, mutilação genital e 'imperialista' ou 'cruzadista'. "
"Hoje as feministas são marginalizadas também pelo seu foco obsessivo em direitos do corpo e questões sobre sexo. Isso não é crime, mas simplesmente não é bom o suficiente."
quarta-feira, março 01, 2006
E-mail ME! ME! ME!
sábado, fevereiro 11, 2006
Chapa quente em 806 D.C.
Pode ter sido um ano de angústia e ao final, de alívio, para muitos católicos. Porque o bispo Gregório de Tours, no século VI D.C, havia previsto que o fim do mundo seria entre 799 e 806. Com aquele calor todo, muita gente deve ter se lembrado da profecia do principal historiador dos merovíngios e começou a rezar pela sua alma.
E foi o fim do mundo sim pelo menos na cidade de Heracléia, na costa do Mar Negro. Naquele ano, ela foi cercada e depois saqueada pelo exército de Harum al-Rachid, um califa famoso pela sua amizade com Carlos Magno e que também manteve boas relações diplomáticas com a China. Ele também havia conseguido uma détente com o Império Romano do Oriente, após prometer à Imperatriz Irene não atacar Constantinopla desde que ela sempre lhe pagasse um tributo em ouro. Mas Irene foi derrubada do trono por Nicéforos, que não só mandou avisar al-Rachid que não ia pagar mais nada como pediu de volta o que a imperatriz deposta havia mandado. Em reação, o califa tomou Heracléia. Nicéforos voltou a pagar o tributo, mas depois, interrompeu de novo o pagamento, para ser novamente derrotado, com seu exército de 125 mil homens, por 15 mil comandados por al-Rachid, em uma batalha em Fríngia, província romana na Ásia Menor. Ferido na batalha, em que 40 mil de seus homens foram mortos, Nicefóre voltou a pagar o tributo - e depois voltou a suspender o pagamento. O califa só não o matou, como queria, porque morreu antes, doente. A ironia histórica é que Nicéfore significa "portador da Vitória" - foi esse, aliás, o pseudônimo adotado por Joseph Niépce, o inventor da fotografia, na onda de adoração ao classicismo e antiguidade que veio com a Revolução Francesa.
Um massacre em menor escala foi registrado em uma pequena ilha na costa escocesa, no Monastério de Iona: 68 monges foram massacrados pelos vikings. Eles já haviam atacado aquele celeiro de mártires e santos desde outras duas vezes. Os sobreviventes do massacre não esperaram uma quarta: foram embora para a Irlanda. Acredita-se que foi poucos anos antes deste ataque que se produziu no monastério um dos mais preciosos livros da história, o Book of Kells, coletânea dos evangelhos com enfeites, desenhos e ornamentos que o tornam uma relíquia e uma memória do trabalho que era fazer um livro na era Medieval. O livro está atualmente no Trinity College, em Cambridge. Em 1938, Iona voltou a entrar no mapa do misticismo, porque foi fundada lá uma seita cristã que buscava voltar às antigas tradições celtas - new age avant la lettre.
Do outro lado do mundo, outro fato importante para a história da religião em 806 D.C. foi a introdução do budismo no Japão. Obra de Kobo-Daishi, ou Kukai, artista e monge japonês que naquele ano voltava da sua embaixada na China. Foi lá que ele estudou o budismo Tantra. Kukai depois fundou a escola Shingon, ou "Palavra Verdadeira" , do budismo, e o monastério Kongobujy no Monte Koya, local de devoção até hoje no Japão. Excelente calígrafo, a ele também se atribui a criação da forma pela qual o japonês é escrito até hoje.
Enquanto Kukai voltava para casa, os chineses, em 806, criaram o papel-moeda. Foi naquele ano que começaram a ser usadas pela primeira vez cédulas em lugar de animais e outras mercadorias para trocas comerciais na China. O costume durou cerca de 500 anos. Como naquela época não havia monetarismo ainda, a produção de notas cresceu tanto que houve talvez a primeira inflação causada pelo excesso de emissão de papel-moeda no mundo. Assim, em 1455, os chineses abandonaram o que Marx chamaria de "fetichismo do dinheiro" - que só reapareceria na Europa, muitos anos depois.
segunda-feira, janeiro 30, 2006
sábado, janeiro 28, 2006
As crônicas de Nasdijj. Ou, Enterrem meu Simancol na Curva do Rio
Depois de JT Leroy, mais uma fraude literária foi descoberta nos Estados Unidos: em 1999, um artigo na revista Esquire revelou o talento de Nasdijj, que contava a trágica morte de seu filho adotivo aos seis anos, Tommy Nothing Fancy . Nasdijj relatou a maneira dolorosa como o menino morreu por síndrome alcoólica fetal (não sei se o nome é esse, mas a doença seria causado pelo alcoolismo dos pais). O relato dramático projetou Nasdijj para que ele lançasse The Blood Runs Like A River Through My Dreams, The Boy and the Dog Are Sleeping e Geronimo’s Bones: A Memoir of My Brother and Me - todos livros em que Nasdijj expunha ainda mais histórias trágicas sobre sua vida: como foi violado sexualmente pelo pai branco - inclusive na noite em que a mãe morreu. Mãe, aliás, que às vezes era prostituída por ele. Ah, sim, ela também era alcoólatra. “Minha mãe era uma bêbada incurável. Eu usaria a palavra ‘alcoólica’, mas é muito polida. É uma palavra de pessoas brancas. Não há nada de polido em limpar sua mãe do seu vômito e arrastar sua carcaça inconsciente de volta ao trailer de migrante em que você vive.”
Era muita desgraça para um vivente só. Mas ele mantinha sua dignidade, como mostra um de seus livros em que um trecho ensina ao ignorante leitor cara-pálida os saberes alternativos dos navajos para lidar com a morte: "A morte, para o navajo, é como o vento frio que sopra pelo mesa vindo do norte", retumbou Nasdijj, permitindo que vislumbrássemos um pouco da milenar cultura navajo. "Não falamos disso", arremata secamente.
Muito sofrido e muito digno esse Nasdijj. Mas nesta semana que finda, a edição eletrônica da L. A. Weekly trouxe uma reportagem que jogou um pouco de indignidade e ridículo sobre esta trágica saga nativo-americana: ela teria sido escrita na verdade por Timothy Patrick Barrus, que, antes de botar cocar, fez alguma carreira como escritor gay de livros sadomasoquistas. E nesta outra encarnação, capaz de fraudes: Anywhere, Anywhere deu a muitos que o leram a impressão de ser um relato real de um caso de amor entre dois soldados americanos durante a Guerra do Vietnã - só que Barrus nunca botou os pés no Sudeste Asiático. Antes de consolidar sua carreira literária, ele também ajudou uma exposição de fotos sadomasô de um amigo artista plástico... escrevendo uma carta com o nome falso de John Hammond para o jornal da região onde ficava a galeria, para criticar as fotos, chamar o seu autor de doente e pedir a sua censura. Era o lado Maioria Moral do Navajo Violado Sadomasô Gay Veterano do Vietnã.O fato de Nasdijj só ter desgraça para contar não ativou o simancol dos críticos e da comunidade literária americana; ninguém reparou que era tudo muito conveniente, o pai representante do eurocentrismo falocêntrico que estupra o filho, tal qual os colonizadores brancos fizeram com a América, a mãe bêbada como metáfora dos Povos da Floresta corrompidos pelos maus costumes da civilização ocidental. Isso só serviu para que seu livro The Blood ganhasse resenhas elogiosas no The New York Times, no Washington Post, o prêmio do Salon Book e fosse chamado de, entre outras coisas, "um poderoso clássico americano". Afinal de contas, Manitu nos livre de pôr em dúvida a palavra de um Nativo Americano.
O curioso é que foi uma crítica negativa publicada em um site sobre literatura que fez a L.A. Weekly descobrir o mistério, graças a uma pesquisa em um engenho de busca: combinando o nome do autor da crítica, que dizia ser parente do talento literário pele-vermelha e lamentava que ele não citasse seus antepassados ilustres europeus, com o nome da suposta filha de Nasdijj, Kree, e o nome do próprio escritor, um pesquisador da revista descobriu Barrus - que tem uma filha chamada Kree, atualmente professora em La Paz, na Bolívia. Lição da história? A Internet pode ajudar muito mais em investigações do que parece. Ah, é claro: o autor da resenha negativa só pode ser o próprio Barrus, repetindo o golpe que deu para ajudar a exposição de fotos do amigo, ainda nos longínquos anos 70.
Copiei muita coisa da reportagem que revelou a fraude, mas quem quiser ler mais, é só ir em http://www.laweekly.com/index.php?option=com_lawcontent&task=view&id=12468&Itemid=47.
sexta-feira, janeiro 27, 2006
um pouco de pornografia...
mais desenhos
desenhos
desenhos
quinta-feira, janeiro 26, 2006
Liechteinstein
Estive em Liechtenstein. Bom lugar para ser um aposentado esquiador. Diante do minúsculo país, me ocorreu mais uma vez que a realidade impõe limites à imaginação.
Por exemplo: é impossível se conceber um road movie passado em Liechtenstein. Nos dez primeiros minutos do filme, o país já acabou.
Mais notícias sobre o Liechtenstein em http://www.news.li/news/
quarta-feira, janeiro 25, 2006
sinopses
Gangues de Nova York - Um caolho consegue ser o rei da briga de rua na Nova York no fim do século XIX. Se você quer testar empiricamente a validade desta hipótese, entre numa briga de torcida com um tapa-olho e veja quantos segundos fica acordado.
Machuca - "Meu Pé de Laranja Lima" para socialistas.
Sin City - Fantasia paranóica nerd. Todo nerd acha que, no sábado à noite, enquanto ele participa de campeonatos de RPG ou de chats sobre Guerra nas Estrelas, as colegas de colégio que não percebem sua existência se vestem de couro como as moças da história. Todo nerd gostaria de ser um sujeito durão usando capa de chuva, mesmo que more em Bangu. E o fato de os piores bandidos da história serem um sujeito vestido como nerd que come carne humana e uma variação expressionista do primeiro personagem de sucesso das histórias em quadrinhos, O Yellow Kid, não é por acaso.
King Kong - Fábula alegórica sobre como uma chave de cadeia pode foder a vida de um homem. Pelo que podemos deduzir, Kong sempre dormia no alto daquele morro de onde via o pôr-do-sol. Porque justamente quando a loura está com ele há um ataque de morcegos? Se toda noite tivesse ataque de morcego gigante, ele teria ido dormir em outro lugar, não?
O Jardineiro Fiel - A partir da cena em que Rachel Weiz enfia uma garrafa de um litro de água mineral na bolsa, torcemos pela sua morte. Porque a garrafa de um litro de água mineral na bolsa é um item indispensável da chata moderna. Há de se louvar John Le Carré, que , depois de ter chupado quase completamente "Nosso Homem em Havana" em "O Alfaiate do Panamá", desta vez deu menos na vista no plágio a Graham Greene: quase não dá para reparar que o núcleo da história - um burocrata com um trabalho sem graça envolve-se em problemas políticos por causa do ativismo da mulher - foi chupado de "O Fator Humano".
terça-feira, janeiro 24, 2006
A lenda é real
sexta-feira, janeiro 06, 2006

Que tal esse saxofonista? Existe também um fracasso por causa deste desenho. Era para "concorrer" a uma caixa de CDs sorteada pela GNT aproveitando o sucesso da série "Jazz", documentários de Ken Burns que eles exibiram. Só que tinha de pôr o slogan da GNT no desenho, e eu não fiz isso... funcionou, anyway. Desenhei o saxofonista em uns cinco minutos, com nanquim. Distorcido, com variações no tracejado, agora que eu olho para ele de novo, gosto muito.
quarta-feira, dezembro 28, 2005
Crash à moda dos descolados
Vocês sabem como isso funciona, não? Vários eventos sociais são na verdade ringues furiosos de duelos de descolação em que não saber algo que todo descolado tem de saber pode resultar em dor, humilhação, opróbrio e degredo para a África. Como por exemplo: você vai num, num... vernissage. Chega, engole o salgadinho frio, rouba uma taça de Almadém do garçom que passa a bombordo tentando fingir que não lhe viu. E diz "oi" para um conhecido mas que não chega a ser amigo, alguém que alguém te apresentou em outro convescote. Não tem mais ninguém que você ou a pessoa conheçam por perto, para poderem fugir.
E assim, um fica testando o outro para ver se vale a pena perder tempo conversando com ele. O que valeria por dois motivos: a) a pessoa ser bem relacionada ou b) você poder impressionar a pessoa, fazer dela a platéia, torná-la a multidão de um só que vai render-se à sua genialidade. E assim - vapt - em dois segundos você se enfiou num Duelo de Descolação. Que começa com uma porção de citações de livros, filmes e músicas da moda, mas em relação a detalhes que só descolados saberiam. Como dizer "o pai da MIA já morou na Mangueira, foi assim que ela conheceu o funk carioca" ou coisa parecida.
Mas o golpe muito usado, por ser o mais fatal, garantir uma vitória rápida e sangrenta, é um dos dialogantes citar alguma celebridade pelo prenome, para provocar a pergunta "quem?" do oponente e aí sim, declinar o nome inteiro da pessoa, com uma expressão de contido horror, por ter de fazer uma coisa tão empregadinha como dizer o nome inteiro de um famoso, só porque o botocudo analfabeto - com quem você está fazendo um trabalho de responsabilidade social de conversar na vernissage, quando poderia estar conversando com gente muito mais interessante - não tem intimidade com essa pessoa. Afinal de contas, ele NÃO É UM DESCOLADO.
Um exemplo prático? Dizer, por exemplo, "ontem o Luiz Fernando me contou..." e o oponente pergunta: "Luiz Fernando?". "Carvalho", responde o interlocutor. NOCAUTE, SENHORES TELESPECTADORES, FOI INCRÍVEL!!!! O INTERLOCUTOR NÃO SABE QUE SE UM DESCOLADO FALA "LUIZ FERNANDO", SÓ PODE SER O DIRETOR DE "HOJE É DIA DE MARIA" E "LAVOURA ARCAICA", UM CINEASTA QUE DESLOCA A NARRATIVA USANDO O CHIAROSCURO DE CARAVAGGIO E MESTRES BARROCOS PARA REPENSAR A CULTURA BRASILEIRA!!! AGORA ELE VAI TER DE SAIR CABISBAIXO DA GALERIA ONDE UMA NOVA REVELAÇÃO DO CURSO DE MESTRADO DA UFRJ APRESENTA SUA INSTALAÇÃO BASEADA EM PRESERVATIVOS E ABSORVENTES USADOS COMO FORMA DE REFLEXÃO SOBRE AS RELAÇÕES SOCIAIS MEDIADAS PELA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA!!! E VAI TER DE IR COMER UM PODRÃO NA CARROCINHA DA ESQUINA, PORQUE É O MÁXIMO QUE SUA PARCA CULTURA, SUA IGNORÂNCIA DE QUE "LUIZ FERNANDO" É "LUIZ FERNANDO CARVALHO", LHE PERMITE!!!!
Tem gente que eu conheço que prefere isso a sexo, juro.
segunda-feira, dezembro 26, 2005
Cola
Domingo, Dezembro 11, 2005
Peter Parker não tem diploma!
Você já se deu conta que o Homem-Aranha , o Super-Homem e o Tintin são jornalistas ? E que boa parte do enredo dessas histórias gira em torno do jornalismo, da rotina de redação?Tem mais: que praticamente não há jornal no mundo que não publique charges e/ou tiras?E que a expressão "jornalismo amarelo" (que, no jargão (não-)profissional, quer dizer jornalismo sensacionalista), surge com o personagem de HQ Yellow Kid, desenhado por Richard Outcalt para o New York World no fim do século XIX?Hein? Você sabia?Pois bem. Esse é o mínimo que você vai tirar da leitura do artigo Quadrinhos e jornal: uma correspondência biunívoca. Quem escreveu foi o mestrando em comunicação pela ECO/UFRJ Antônio Aristides Corrêa Dutra.O texto mostra como essa ligação entre quadrinhos e jornalismo é antiga. Remonta, pelo menos, ao século XIX. E que, por isso, não é de se esperar que hoje haja um incipiente Jornalismo em Quadrinhos, encabeçado por jornalistas-quadrinistas como Joe Sacco, Art Spielgeman e Robert Crumb, dentre outros.Vale a pena ler o artigo de cabo a rabo. Cutuque aqui!
domingo, dezembro 25, 2005
terça-feira, dezembro 13, 2005
O sucesso do fracasso
Ele usou este background para se vingar da "Variety " em um livro chamado "Como fazer inimigos e alienar pessoas", lançado no Brasil como se fosse um compêndio de fofocas sobre celebridades e o mundo de vaidade da Condé Nast. Era tudo isso sim, mas tudo isso interpretado pela ótica de quem leu Tocqueville, Jane Austen e tinha muito humor para lembrar as próprias falhas em tentar impressionar como "jornalista britânico por dentro da moda".
Assim, ele usou sua experiência com o mundo das celebridades para constatar como diverssas profecias de Tocqueville sobre a democracia americana tornaram-se realidade, tal qual o risco de o regime virar uma espécie de "despotismo brando". E demonstra como, na verdade, após a revolução sexual e o maior acesso das mulheres ao mercado de trabalho, pelo menos na editora Condé Nast, que publica a Variety, as mulheres continuam como as mulheres retratadas nos romances britânicos do século XIX - sempre desesperadas atrás de um casamento arranjado com um marido rico.
Graças ao sucesso do livro, Toby engatou uma carreira como escritor que agora pode lhe render um prêmio teatral por sua parceria com Lloyd Evans na comédia "Who's the Daddy?". E ele tem um site em que goza a tudo e a todos, inclusive ele próprio (uma charge mostra-o em uam festa na qual uma moça diz "então você é o Toby Young sobre o qual você escreve tanto!"). E dá uma lista dos dez piores restaurantes de Londres que usa bons critérios para se julgar a real validade de alguns serviços de restaurantes caros, enquanto chama um deles, italiano, de "caixão de Liberace" ou "roupa de baixo de Donatella Versace", chama o serviço do Cipriani de "cavalgada de incompetência", etc. O endereço é http://www.tobyyoung.co.uk/
quarta-feira, dezembro 07, 2005
Os segredos da culinária de Samuel Beckett
terça-feira, dezembro 06, 2005
Oximoro marqueteiro
sábado, dezembro 03, 2005
Notícias da Ilha Perdida
Depois disso, não restou aos integrantes de Consenso chamar a polícia para tentar garantir o direito de ir e vir. A polícia chegou e atuou como se espera em uma ditadura totalitária: deteve Calvo, Cuesta e Eugênio Leal, por respectivamente 4, 5 e 6 horas. Foram liberados depois de serem autuados com uma advertência por "escândalo em via pública" e multados em 30 pesos.
segunda-feira, novembro 28, 2005
A grande reportagem fotográfica
Na veia
sexta-feira, novembro 25, 2005
declínio e queda do glam rock
A história do declínio e queda do responsável pelos sucessos "Rock and Roll (parts 1 and 2)" e "Do You Wanna Touch Me?" é coisa de filme: ele abriu falência nos anos 80, aderiu ao budismo e ao vegetarianismo, quase morreu por uma overdose de pílulas e foi preso três vezes por dirigir bêbado, enquanto sua figura tornava-se cada vez mais quixotesca, com Glitter tentando manter o penteado exuberante, mesmo que com a ajuda de uma peruca. Mas queda começou mesmo quando Glitter (batizado como Paul Gadd: o nome artístico ele escolheu, rejeitando Terry Tinsel, Stanley Sparkle e Vicky Vomit, outras possibilidades), ele mandou seu computador para o conserto: o técnico achou dúzias de fotos pedófilas baixadas da internet. Glitter tirou quatro meses de cadeia por isso, e quando saiu, em 2000, viajou para Cuba e, em seguida, para o Cambodja. Lá, foi expulso em 2002 do país. As autoridades do Cambodja não explicaram direito, mas desconfiou-se de que ele não havia se emendado. E agora, aos 61 anos, Glitter foi detido no Vietnã - onde pedofilia dá pena de morte. As notícias sobre ele podem ser acessadas no site de seu site oficial (sim, existe): http://ourworld.compuserve.com/homepages/vanderlinden/glitter.htm
quarta-feira, novembro 23, 2005
Uma questão multifacetada
No futuro, é provável que gente como Baudrillard, Foucault, Lyotard, Derrida, seja lembrada pelos efeitos cômicos de seus textos e aparições. Porque assim como o personagem de Moliére que falava em prosa sem o saber, eles todos escrevem e falam em tom de comédia absurda sem o perceber. Mas uma reportagem da The New Yorker captou este estilo em uma palestra recente de Baudrillard em Nova York. Teria tudo para ser a coisa mais chata do mundo. Mas o detalhe das vestimentas, da reverência dos ouvintes, como se fossem botocudos impressionados com o Anhangüera tacando fogo em uma tigela de álcool, captam a hilariedade de Baudrillard e sua seita, até o gran finale, em que ele se classifica como "um simulacro de si mesmo". Está neste endereço: http://www.newyorker.com/talk/content/articles/051128ta_talk_macfarquhar
domingo, novembro 20, 2005
o que não sai nos jornais

Consegui exibir essa tela em uma mostra no Centro Cultural da UFF sobre sexualidade. Tem 1,70x1,80, se não me engano. A inspiração foi uma foto de uma revista de anúncios eróticos que comprei à procura de modelos ou de algo bizarro para brincar. A revista era fascinante porque vários homens e mulheres comuns posavam nus, ofereciam-se para encontros amorosos, ao mesmo tempo em que sempre escondiam o rosto - ou seja, para mostrar seus desejos mais pessoais, eles tinham de esconder a personalidade. A mesinha ao lado, na foto, com a planta de grandes folhas em cima, a concha envernizada em uma estante inferior e o vasinho de flores no pé era o toque erótico-suburbano que completava o quadro.
O maior dos predadores
sábado, novembro 19, 2005
A memória da Guerra Grande
segunda-feira, novembro 14, 2005
O último dos austríacos
Quem não gosta de estudar administração pode procurar em algum sebo "Reminiscências", um livro de memórias de Drucker. Há as recordações de sua incrível avó, uma espécie de precursora da globalização financeira e dos computadores, com seus vários passaportes que lhe permitiam trocar dinheiro pelo melhor câmbio sempre que ia a um país novo dos que haviam sido criados dos restos do Império Austro-Húngaro e sua mania de guardar xícaras sem asas e asas sem xícaras. Há o relato de como ele sentiu "algo estranho" ao chegar nos Estados Unidos durante a era do New Deal - a ajuda que recebeu de gente desconhecida, que se prontificou a facilitar a sua entrada no país e em lhe procurar emprego, era um sinal de que uma nova idéia estava no ar para tirar o país da crise. Há o relato de um colega de jornal em Viena, o mais medíocre de todos, que foi encarregado de cobrir o partido nazista austríaco, acabou se filiando a ele e tornou-se um dos seus piores criminosos na Áustria. "Esses caras estão falando sério, Peter, e quando eles forem fazer o que querem fazer, vão ter de buscar gente com estômago para isso - e é aí que eu entro", disse o amigo. As explicações do futuro nazista são uma aula do que pode provocar o excesso de ressentimento. Há a história do casal de nobres austríacos que abraçou o socialismo como forma de evitar uma outra guerra mundial - e se matou por não conseguir (o nazista também se matou, aliás). São histórias de vida enriquecedoras, e, principalmente, que fizeram Drucker pensar, refletir, aprender. Um hábito que está morrendo com os velhinhos austríacos.
sexta-feira, novembro 11, 2005
No resto do mundo, os pobres também choram vendo novela
quinta-feira, novembro 10, 2005
tudo compreender é tudo perdoar
Eu compreendo e muito os motivos daquela moça. Ela sai do equivalente a Casimiro de Abreu no Oregon pra um programa de intercâmbio no Brasil achando que ia ver muito samba, lambada, jogo de futebol. Vai parar em Carmo do Paranaíba num intercâmbio do Rotary. Aí, doida para sambar, lambadear, fazer a Ola no Maracanã, é levada para o 22o Jantar Comemorativo dos 22 Anos da Fundação do Rotary Carmoparaibano, no qual se homenageará a memória do dr. Odilio Mendes Maia, fundador do Rotary de Carmo do Paranaíba que durante anos contribuiu para o desenvolvimento da comunidade à frente da administração da Farmácia Flôres, que fica na pracinha da Matriz de Carmo do Paranaíba. No evento, o diretor de eventos do Rotary de Patos de Minas faz uma menção em seu discurso à "presença de nossa irmã de plagas norte-americanas", puxando uma salva de palmas, ao mesmo tempo em que propõe a votação de uma menção contra a invasão do Iraque nos EUA para ser votada no 23o Jantar Comemorativo dos 23 anos de Fundação do Rotary Carmoparaibano. Tudo é traduzido para a moça pela sua "brazilian sister", uma gordota com espinhas vermelhas na bochecha branca, aparelho nos dentes, cabelo quebradiço preso por uma fivela em forma de abelhinha, que lhe dispara olhares lésbicos.
Passa-se uma semana. Neste período, na Escola Futuro Feliz, ela é informada pela irmã lésbica quem é Magáiver, o principal galã dos adolescentes de Carmo do Paranaíba, que Christhyane (mudou a grafia depois que foi a um numerólogo) é a menina mais invejada pelas mulheres e amada pelos homens de Patos de Minas, e que deve evitar Celsinho, um aluno repetente e mal barbeado que é a vergonha de sua família, uma das melhores de Carmo do Paranaíba, mas que voltou diferente desde as férias em Cabo Frio, há dois anos, com uma tia solteira aposentada do IAPI que se mudou para lá. O professor de matemática, talvez inspirado pelo Tio Glauco da novela, tenta conquistar-lhe primeiro com as piadas que sempre fazem sucesso na aula de equações de segundo grau, e depois, oferecendo-lhe uma carona na garupa de sua moto, com um pequeno desvio pelo acesso à cachoeira mais bonita de Patos de Minas, onde ele tenta estuprá-la.
Curiosa, no segundo dia, a menina tenta um contato com o "perigoso" Celsinho. Ela a leva para o seu quarto, e.... lá a submete a uma sessão de cinco horas de audição de rock progressivo, com direito ao álbum triplo ao vivo do Emerson Lake and Palmer e toda a coleção de Rick Wakeman.
Na sexta à noite, a moça vai para o principal "agito" de Carmo do Paranaíba: a pizzaria Três Irmãos, que fica ao lado do Posto Dois Irmãos, na entrada de Patos de Minas. Que, aliás, é adornada por um monumento dos 22 anos do Rotary. Numa mesa grande todos prestam atenção ao relato que Arnaldinho, filho do prefeito, faz de "um lugar manêro" que ele acabou de conhecer nas suas férias no Rio: a Ilha dos Pescadores, manja? Enquanto isso, a "irmã brasileira" roça suas coxas gordas na americana para lhe dizer no ouvidinho: "amanhã nós vamos juntas para o culto mórmon em Unaí, né?"
terça-feira, novembro 08, 2005
poitiers de novo
"aqueles subúrbios têm um monte de conjunto amarelinho (irajá) só q cheio de árabe dentro. em paris tb tem bastante, nas áreas mais pobres. esses caras passam o dia vagabundeando e fazendo merda. tipo cuspir na cara de meninas desacompanhadas no metrô (amiga minha viveu isso), assaltar e agredir covardemente as pessoas (conheço cara q passou por isso) e eventualmente praticar agressão sexual contra mulheres desacompanhadas. são extremamente covardes e agressivos, tipo grupos de 7, 8 marmanjos contra uma ou duas vítimas. tem linha de metrô q as mulheres evitam depois de uma certa hora com medo de passar por esse tipo de perrengue. ou seja, esses narigudos tocam o maior terror por lá, mas ai de quem levantar o dedo contra eles, vão dizer q é perseguição, racismo, intolerância religiosa etc, e isso num país como a frança, sacumé, pega mal pacas. de qq forma, o q eu sempre disse é q essa situação social era um barril de pólvora, q um dia alguém, puto com essa situação, ia dar um tiro na cara de um árabe desses e a favela (no caso deles, os amarelinhos da vida, ou HLM, os BNHs deles) ia vir abaixo."
sexta-feira, novembro 04, 2005
dupla caipira
quarta-feira, novembro 02, 2005
sweet memories
A revelação (para mim) do segredo que ligava a Organização Internacional dos Jornalistas, com sede em Praga, ao serviço secreto soviético me fez entrar em um livro de John Le Carré no meio um lugar dos mais improváveis ambientes para um romance de espionagem - um bar com chope quente, muitos jornalistas fumantes e falantes, numa noite quente.
A frase foi particularmente impactante para mim porque me lembro de um professor do curso de Comunicação da Universidade Federal do Espírito Santo particularmente tacanho e desonesto, chamado Renato Soares, em uma aula que ele dava sobre Ética em Jornalismo. Na verdade, a aula era de doutrinação de esquerda - Renato era, é ainda, presidente do PSB no estado. E nesta aula, ele determinou - sem dizer por quê, sem dar chance de ser contradito - que das duas entidades internacionais de jornalismo que existem no mundo, a OIJ era a "boa, de esquerda"; a outra, sediada nos Estados Unidos, era a "reacionária, de direita".
Foi simplório assim. Era este o tipo de ensinamentos que se davam e eu acredito que ainda se dão em cursos de ciências humanas, nas universidades brasileiras, nos anos 80. O que talvez explique muito certas repetições de assuntos, abordagens, clichês que leio na imprensa que me dão um tédio profundo. São todos filhotes daqueles clichês ministrados como cocaína na veia nos primeiros semestres dos cursos de ciências humanas.
Voltando à discussão no boteco, dois anos depois da lavagem cerebral do professor tacanho: a f]revelação de que a boazinha entidade de esquerda era peça de propaganda do totalitarismo russo foi feita como um último argumento que o dirigente nacional da Fenaj lançou para tentar convencer o colega de que, em 1989, o comunismo tinha acabado mesmo, de vez. Note bem, ele ainda se considerava de esquerda - mas não era tão de esquerda assim para ser tão insensível aos fatos daquele looongo ano. O meu amigo dirigente capixaba não, tentava escapar pela tangente dizendo que "o que morreu foi uma forma burocrática de socialismo" e "é preciso fazermos uma autocrítica".
Nestes 16 anos, tudo que eu tenho visto de movimentos como o MST e o PT, que cheguei a acompanhar de bem perto, foi escapadas pela tangente. Sempre com autocríticas convocadas e nunca feitas, refundações do socialismo que apenas repetem o que já foi defendido, fundado, testado e derrotado pelos fatos, palavras de ordem simplistas para demonizar quem não concorda com os lugares-comuns. É tudo muito cansativo. Esse povo, essa.. taí, essa "raça", por que não?, é muito chata, e consegue tornar tudo ao seu redor mais chato ainda.
segunda-feira, outubro 31, 2005
Aliás...
No gabinete, e só com água mineral
domingo, outubro 30, 2005
Manifesto que vem de Cuba
"Ante a escalada repressiva pelo governo cubano nestes últimos meses, que alcançaram vários de nossos membros e ativistas, e aos responsáveis pela revista digital Consenso, o Arco Progressista, expressão política institucional do pensamento socialista e social-democrata cubano, DECLARA:
1. Sua solidariedade, tal como fizemos desde setembro, com todos nosso conpatriotas diante dos atos de repúdio que sofreram ou sofrem com esta escalada de barbárie e incivilidade com o que o governo cubano, contra a Constituição do país, as normas básicas que fundamentam os stados modernos e os princípios de direito internacional, pretende calar as vozes pacíficas dos lutadores pró-democracia em Cuba.
2. Seu agradecimento a todos aqueles que dentro e fora de Cuba expressaram sua solidariedade com o Conselho de Redação de Consenso e com os membros de nossa associação Arco Progressista, pelo ato de repúdio sofrido em 10 de outubro. Um agradecimento que por certo inclui os socialistas, social-democratas e progressistas do mundo - do Partido Socialista da França, do Grupo Socialista do Parlamento Europeu, dos Democratas de Esquerda da Itália, do Partido Socialista Obreiro Espanho e da Alternativa Social-Democrata Camponesa do México - e de numerosos intelectuais de Cuba e de outros países.
3. Seu compromisso reafirmado, independientemente de conjunturas ou circunstâncias adversas, con la busca pacífica da democratização e o reconhecimento institucional, integral e efetivo dos direitos humanos. Neste sentido, soma sua voz àqueles que felicitaram e reconheceram as Damas de Branco por terem recebido o Prêmio Sakarov de Direitos Humanos que outorga o Parlamento Europeu, e estende sua felicitação à advogada nigeriana Hauwa Ibrahim e aos Repórteres sem Fronteiras, agraciados também por sua luta em favor dos direitos da mulher no mundo islâmico e seu compromisso com a liberdade de expressão, respectivamente.
4. Seu apego à estratégia de alcançar mudanças pacíficas por meio do diálogo, a transição pactuada e la reconciliação nacional, e portanto, sua distância de toda estratégia de desestabilização – negativa para a segurança nacional de Cuba e para a mudança que queremos – e que provocadoramente o gobierno agora atiça con a reanimação destes atos de repúdio. Neste sentido, reafirma seu compromiso con a não-violência, o pacifismo, o civilismo e o trabalho nos marcos da lei para regular os conflictos sociais e políticos.
5. Sua reafirmação, ao lado dos valores da liberdade, justiça social, solidaridade, pluralismo, moderação e defesa do direito das minorias, e da soberania e independência de Cuba, assim como do multilateralismo no direito internacional e contra as medidas externas de arrocho, pressão e isolamento.
6. Finalmente, o Arco Progresista responsabiliza diretamente o governo de Cuba por qualquer dano à integridad física, psicológica e moral e aos interesses pessoais de nossos membros e simpatizantes, assim como de seus familiares.
Manuel Cuesta Morúa
Porta-voz
____________________________
Sede de Referencia: Edificio C-11 Apto 4 Zona 6 Alamar. Habana del Este. Ciudad Habana. Cuba.
Telefax:+53-(0)7-93 09 12. Celular (para contacto solamente) 05 284 03 88
Correo electrónico: cosdec2002@yahoo.es
"América" chega ao Guardian
Jerry Maguire da vida real
Neste mail, chamado de "um mail do tipo Jerry Maguire", que Deans mandou para seus chefes e o diretor-geral da emissora de tv inglesa, Mark Thompson, ele diz que a BBC está "cheia de programas que não significam nada". Mais: acusa os colegas de ter uma atitude "sabichona, derrogatória e condescendente" diante das outras pessoas que participam de seus programas. Em suma, a BBC, segundo Deans, estaria he farewell email also criticised colleagues for having a "derogatory, condescending BBC-knows-all attitude" towards ordinary people who feature in their shows. O demissionário também lamenta a "falta de estimulação mental e de tomada de riscos" na TV, segundo o Guardian. Não deve ser o único escritório do mundo onde há isso, se serve de consolo para Deans.
sábado, outubro 29, 2005
Duke

sexta-feira, outubro 28, 2005
Sieg Heil
Raquel, bela morena
quarta-feira, outubro 26, 2005
- O Bornhausen não reconhece que a sub-raça tem capacidade de raciocínio?
Parece que Goebbels mexeu-se na tumba: "como não pensei num slogan destes?", praguejou, em alemão.
Mamãe precisava falar com papai. O telefone do nosso quarto tinha sido bloqueado. Desço com ela para o restaurante e pergunto a um garçom pelo dono. Ele me aponta um homem de bigode, cabelo preto. Vou até ele:
- O senhor pode deixar a gente falar no telefone? Minha mãe precisa falar com meu pai – pedi. - Ah, minha princesinha, eu não posso fazer nada. - Mas o garçom disse que o senhor é o dono do hotel. - Não, não sou não. - Então o senhor é mentiroso ou o seu garçom é mentiroso. - O que você quer, minha princesinha? - Minha mãe precisa telefonar para o meu pai. - Então venham ao meu escritório.
Quando a gente estava saindo do escritório dele, ele vira-se pra mim e diz: - Você quer casar comigo? - O senhor é maluco? Eu não gosto de homem de bigode. O senhor parece meu pai. Ele riu muito e três meses depois nos casamos.
Maria Clara Tapajós casou-se aos 19 anos com Eduardo Tapajós, um dos proprietários do Hotel Glória no Rio. A história está no site Um Balcão na Capital - Memórias do Comércio na Cidade do Rio de Janeiro (http://www.museudapessoa.net/hotsites/sescrio/).
- "Valores morais" têm decidido eleições e ganharam um peso maior em discussões políticas - e no Canadá, os valores morais da tolerância e discernimento aparentemente estão criando uma situação que, para nós, parece ser do outro mundo: André Boisclair, um candidato à liderança do partido separatista de Quebec, estava firme na disputa, apesar de nunca ter escondido sua homossexualidade.
Pois bem, no mês passado, uma reportagem mostrou que Bisclair sabia cutir a noite em Quebec - inclusive enchendo a cara e cheirando pó - ainda em 1990.
É para derrubar qualquer um, não? Mas Boisclair não tentou sair pela tangente ou largou a disputa: assumiu que consumiu cocaína sim.
O resultado: Boisclair fortaleceu-se na liderança da disputa. Pesquisas mostraram que o uso da cocaína não era um assunto para ser levado em conta na eleição.
"Foi uma maneira de mostrar compaixão e empatia pela intrusão na vida das pesoas", disse Alain Gagnon , um cientista político da Universidade Quebec em Monteral, ao New York Times, de onde eu tirei essa história, que me foi enviada por um amigo. "A tolerância é algo que define o caráter de Quebec. Isso vem de nossa história como um grupo dominado"
terça-feira, outubro 25, 2005
O que tem a ver um livro da década de 20 com uma abertura de notícia de jornal da semana passada? É que nele Lippmann dedica uns três capítulos a explicar a importância dos estereótipos para as nossas visões de mundo. Os estereótipos dão uma ordem de importância às informações que colhemos da realidade externa, eles simplificam e tornam mais fáceis de entender o que vivemos. Especialmente no caso de termos de entender algo que acontece a quilômetros de nós, como no caso dos leitores novaiorquinos e o referendo no Brasil sobre as armas. O que é preciso, segundo Lippmann, é saber isso, ter consciência de que os estereótipos nos mostram uma parte da realidade, não a verdade inteira. Ou seja, dizer que fulano é "classe média" diz muito sobre ele, mas não diz tudo. O que quer dizer que quando o sujeito do New York Times escreveu que os brasileiros costumam atirar uns nos outros ou coisa parecida, ele estava apenas tentando resumir em uma frase forte, para que novaiorquinos compreendessem de uma maneira simples, um problema que salta aos olhos de um estrangeiro: que no Brasil a violência é grande. É um detalhe a ser ressaltado, mas não é toda a verdade. Da mesma maneira que quando lemos nos nossos jornais e revistas sobre o "consumismo americano", não quer dizer que o país com mais orquestras sinfônicas e universidades do mundo seja habitado apenas por gente que come McDonald's e freqüenta shoppings o tempo inteiro.
E por falar em referendo, uma frase de Lippmann pode explicar porque muita gente votou no Não mesmo sendo a favor da paz, do desarmamento: é que elas têm de viver em um mundo mais complexo do que gostariam de viver. E devem ter se ressentido de pregações morais a favor do Sim que ignoraram estas complexidades. OU, segundo as palavras de Lippmann: "A preparação dos caracteres para todas as situações em que os homens talvez enfrentem é uma função da educação moral. Calaramente então, depende, para seu sucesso, da sinceridade e conhecimento no qual o ambiente externo foi explorado. Porque em um mundo falsamente concebido, nossos próprios caracteres são falsamente concebidos, e nós caímos em um engano. Desta forma, o moralista deve escolher: ou ele oferece um padrão de conduta para todas as fases da vida, não importa o quão desgostosas algumas delas possam ser, ou ele deve garantir aos seus pupilos que eles nunca serão confrontados pela situação que ele desaprova. Ou ele consegue abolir a guerra, ou ensina às pessoas como suportá-la com a maior economia psicológica possível; ou ele abole a vida econômica do homem e o alimenta com poeira e orvalho, ou ele deve investigar todas as perplexidades da vida econômica e oferecer padrões de conduta que são aplicáveis em um mundo onde nenhum homem consegue se sustentar sozinho. Mas isso é justamente o que a cultura moral predominante costuma recusar-se a fazer. Nos seus melhores aspectos é uma atitude hesitante sobre as complicações do mundo moderno. Nos seus piores, é apenas covarde".
O livro dele pode ser lido na Internet nos endereços:
http://xroads.virginia.edu/~HYPER2/Lippman/pbpnn10.txt
http://www.gutenberg.org/etext/6456

Arpad Szenes teve de se exilar no Brasil durante a II Guerra Mundial com sua mulher, a pintora portuguesa Vieira da Silva. Para sobreviver, os dois tiveram de dar um tempo na experimentação abstrata e pintar figurinhas que os seus compradores aqui entendessem. O desenho ao lado é de uma foto dele em um catálogo de uma exposição da produção de ambos, montada há uns três anos, acho, na Casa França Brasil.