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quarta-feira, maio 10, 2006

O questionamento da questão

Eu queria ver mesmo "Escravas do amor", adaptação do romance de Nelson Rodrigues sobre Suzana Flag. Mas enganei-me: na noite de quarta, o que é exibido no teatro do Centro Cultural Telemar é a peça "Homo Politicus", uma "reflexão", "questionamento", sobre a "questão" do que é ser um homem político hoje. Não me lembro direito: ultimamente, toda vez que leio que determinada obra de arte - peça, história em quadrinhos, instalação, performance - "propõe um questionamento", "questiona uma proposta", "discute a questão", "questiona a discussão", meu cérebro interrompe as sinapses.
Mas por quê eu fui conferir, mesmo assim?
Porque era barato.
Porque gosto do Clima do Centro Cultural Telemar.
Porque tinha homem pelado.
Explicando a última frase: estava querendo desenhar uns esboços de corpos humanos. Na foto de divulgação, tinha corpo humano pelado. R$ 10 para uma sessão de modelo vivo - negoção.
Sim, foi um bom negócio até minha mão esquerda começar a latejar e eu ter de guardar a caneta. Mas a partir daí, ficou chato. Os atores (dois homens e uma mulher) alternavam poses nus. Um deles ficou na porta, obrigando os espectadores a pular por cima dele para entrar. Uma reflexão, um questionamento,uma discussão sobre como nossa liberdade é limitada por outrem.
Hmmm... entendi, entendi...
Lá pelo meio do espetáculo, um ator me interpelou - acho que era uma forma de provocar reação do público; isso era velho antes de eu nascer - que a minha camisa vermelha o incomodava. "Se eu disser que sua camisa não é vermelha, é azul, aí eu vou dizer que ela é azul, e você , que é vermelha. E vai ter gente dizendo que é amarela. E isso cria um problema. Entendeu?"
Mantive o sorriso discreto. Nestas horas, o mais importante é manter o sorriso discreto. Mas não entendi não. Um oftalmologista diagnostica daltonismo e acaba o problema.
A lembrança mais vívida é mais uma vez experimentar aquele curioso fenômeno físico que acompanha a sensação de tédio e aborrecimento: a calça parece começar a apertar o seu corpo, a bunda parece querer ejetar a base de sua coluna vertebral, não se acha uma boa posição para sentar. A chatice elimina a capacidade de abstração.

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