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quinta-feira, março 19, 2009

Eu e os bichos

O GANSO DO MEU PAI

No sítio do meu pai, havia gansos. Um foi roubado, outro foi atropelado, outro fugiu pelo córrego, outro morreu de doença e... assim foram minguando até sobrar um só. Que, minha mãe notou, ficava sempre incomodado, cabisbaixo, incerto, rodeando a casa, solitário.
Até que uma das galinhas do sítio ficou choca. O ganso, assim que viu o ninho que ela fez no lado do córrego, tomou para si a tarefa de guardá-lo, e à galinha: ficava sempre andando em volta dela, de guarda, expulsando até mesmo os galos e outras galinhas que chegavam perto.
Cheguei a duas conclusões observando os dois, na última visita que fiz ao sítio. Uma é que provavelmente está inscrito nos genes dos machos das espécies a tendência natural de proteger, cuidar de um ser que não seja você mesmo - o altruísmo é uma espécie de instinto masculino.
A outra conclusão, menos científica, é de que para deixa um ganso cabisbaixo mais animado, qualquer galinha serve.

O JACARÉ DA MINHA MÃE

O mesmo córrego por onde os gansos nadavam, certa vez, encheu com uma chuva e ligou-se a um pequeno açude que há no lado da casa do sítio dos meus pais. E com o transbordamento, veio um jacaré. Ele instalou-se no açude, e depois que as águas baixaram, decidiu ficar por lá por uns tempos.
Minha mãe começou a cuidar do jacaré. Atirava pedaços de pelanca que arrancava da carne que cozinhava, e de noite, gostava de procurar os olhos brilhantes dele com uma lanterna, de brincadeira.
Eu dizia para minha mãe que o jacaré, que ainda era um filhote, ainda iria crescer e comer ela, meu pai e os carneiros e galinhas que eles criavam, um a um.
Claro que minha mãe não me deu ouvidos - na nossa família, só ouvimos o que queremos ouvir.
Um dia, choveu de novo, o rio transbordou, atingiu o açude, o jacaré aproveitou e foi embora rio abaixo.
Nunca se afeiçoe demais a alguém que entrou na sua vida trazido por puro acaso. Eles também vão embora levados pelo puro acaso. Você fica.

A CALOPSITA DA MINHA AMIGA

Quando me separei, fui morar com uma amiga que tinha uma calopsita - uma espécie de periquito, só que com um topete de integrante do Sig Sig Sputnik (alguém se lembra?) e uma pelagem mais variada.
A calopsita me acordava de manhã com longos piados, demandando comida e atenção. Depois que soltávamos ela (ele, na verdade - o nome era Mané), o bicho gostava de ficar no meu ombro, bicando minha nuca. Às vezes, doía muito, mas às vezes, dava cócegas. Às vezes, ele cagava. Algumas camisas minhas ficaram estragadas, com o ombro esgarçado, de tanto lavar.
Ele era chato. Mas graças à ele entendi um pouco o que é ser mulher: é carregar no ombro alguém que cutuca as nossas partes mais sensíveis, e que não se importa de cagar em cima de você, de vez em quando.

A GATA DA MINHA HOME MATE

Minha amiga foi embora, e veio outra home mate. E alguns meses depois, veio um gato. Nas primeiras semanas, o gato ficava preso dentro do apartamento, que é térreo, e jamais deixávamos ele ir para uma área nos fundos, onde havia uma piscina, com medo de que ele caísse e morresse afogado.
Um dia, pedreiros foram para a área dos fundos montar um andaime para uma reforma do prédio. E o gato também foi. Eles disseram que eu poderia deixar o gato lá, que eles cuidariam dele.
Alguns minutos depois, o gato voltou para casa, molhado como um pincel embebido num tubo de tinta nanquim (ele é totalmente negro). Tinha caído na piscina. Minha home mate o secou. Mas não impedimos que ele voltasse a passear na área dos fundos por causa disso. Na verdade, foi bom ele ter caído na piscina e ter se safado sozinho; ele nunca mais fez isso de novo. O gato, constatei, é o ser vivo mais inteligente da casa onde moro. Ele só precisou cair uma vez para aprender a lição. Eu caio várias vezes nos mesmos buracos e até hoje não aprendi.