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quarta-feira, maio 24, 2006

Museus e propaganda

Dia de visita a museus em Buenos Aires. O Museu Histórico Nacional é escuro, com ar meio abandonado, e cheio de dólmans e armas usadas em guerras travadas pelos argentinos contra ingleses, espanhóis, índios e ingleses de novo, na Guerra das Malvinas. E quadros louvaminhas históricos: o melhor de todos é o que ilustra a primeira missa em Buenos Aires com uma índia branquela, cabelos negros cacheados, no melhor estilo índia de western dos anos 50. Outro memorável mostra o general San Martin em revista a tropas em algum lugar muy heróico de alguma campanha onde luchou-se mucho: os soldados da infantaria sao todos de face negróide ou indígena, a figura do general é decalcada de algum quadro mostrando alguma vitória de Napoleao, e ao lado dos infantes, em primeiro plano, estao duas mulheres mostrando o herói nacional para os filhos. Grande propaganda política de como o general uniu as nacoes (nao acho til nem cedilha neste teclado em que escrevo).
O Museu Nacional de Bellas Artes é bem mais fornido que o congenere brasileiro (nao acho o acento circunflexo também): tem Rembrandt, Gauguin, Cezzane, Courbet, Picasso, etc. Mas além das atraccoes mais evidentes, me chamou a atenccao um quadro mostrando um ataque de índios argentinos em um ataque. Todos sao retratados com carantonhas ameacadoras, um segura uma cruz como se fosse uma lanca, outro, um baú e um terceiro, uma mulher branca, muito branca, parecendo de mármore na comparacao com o cavaleiro que a raptou. O curioso é que uma placa ao lado diz que o quadro foi pintado em 1892 - quando os mallanes, a tribo retratada como bárbaros que vao levar o que há de mais caro na sociedade, a fé, a pureza das mulheres e a propriedade, já haviam sido dizimados na guerra movida pelo governo argentino e executada pelo general Roca. Outro quadro interessante é europeu, do século XVII: a "Luta contra a Morte", encarnada em esqueletos que disparam flechas em um grupo de pessoas onde há reis, rainhas, soldados, camponeses, padres, etc. A tela era um lembrete de que todas as classes sociais se igualavam na morte, que nao poupava ninguém - um memento mori que devia ser especialmente destinado aos monarcas como o rei e a rainha mostrados impotentes na tela.
Amanha é o Dia Nacional do Representante de Venda de Remédios ou coisa parecida aqui na Argentina, segundo o guia da "Time Out" que levo para cima e para baixo: eles superaram o Brasil, que instituiu o 28 de agosto como Dia da Sogra (se nao me falha a memória e a agenda de estudante que eu tinha que gravava todas as datas comemorativas do país). É também uma data nacional mais importante, acho que a independencia, agora eu esqueci. E Néstor Kirchner marcou uma grande manifestacao de apoio para amanha por causa disso. Acho que vou acabar indo para lá.

terça-feira, maio 23, 2006

brasileñas e brasileños

A cena foi no cemitério da Recoleta. Em frente ao túmulo de Eva Peron. Estava lá por acaso, mais por nao ter nada para fazer, mas aproveitei para desenhar umas estátuas nuns túmulos. Fui levado ao túmulo de Evita por dois casais de brasileiros que falavam alto sobre onde devia ser o túmulo ("Eu acho que é por aqui." ; " É aqui?"; "Nao, menina, é por aqui"). Cheguei com eles ao túmulo. Os casais deviam ter por volta de cinqüenta anos, aparentavam ter algum dinheiro, pelas roupas que usavam. Nada chiques, mas caras, dava para se ver na pashmina, na camurça, no lamê. O túmulo, além do epitáfio, a plaqueta dizendo quando Evita nasceu e quando morreu - 1952 - tem outras plaquetas, para lembrar os 50 anos de morte da moça, o nascimento dela, etc., com datas dos anos de 1982 ou 1997.
Foi o que bastou para fundir a cuca das representantes de nossa elite.
- Ela morreu em 1982, né?
- Nao, ela morreu em 1997. Olha lá a placa. Ela nasceu em 1952 e morreu em 1997.
- Eu acho que nao - interveio um dos maridos. - ela nasceu em 1952, morreu em 1982, MAS (brasileiro sempre levanta a voz para dizer "mas" em uma discussao) foi enterrada AQUI (levantar a voz de novo serve para marcar posiçao - é como o macaco que berra mais alto no bando para dizer que ele tem direito a comer o formigueiro primeiro do que os outros chimpanzés) em 1997.
- Ela morrió en 1952 - disse um funcionário do cemitério que observava a discussao bizantina. Mas nao foi ouvido.
- Ela morreu em 1997, olha a placa! - insistia uma das mulheres.
- Será que ela nasceu em 1917 e morreu com cem anos? - foi a nova hipótese lançada no debate, tal qual a luva de Ivanhoé, pela outra brasileira.
- Peraí, ela nasceu em 1982 e morreu em 1997, foi isso.
Me afastei sem olhar para trás. Mas nao funcionou. Logo depois, os dois casais encontraram-se com o bando de turistas ao qual pertenciam, que pareciam ter finalmente se reagrupado na entrada do cemitério, após todos terem se perdido.
- O túmulo da Evita é lá - apontou uma das senhoras, para uma direçao ao léu - nós já vimos - continuou, afetando superioridade - mas olha, é muito simplezinho.
Fiquei com vontade de dizer "mas o túmulo é limpinho e dorme no emprego".

segunda-feira, maio 22, 2006

Na Argentina

Qual o sinal de contençao de despesas em um museu? (escrevo sem acentos, estou num computador argentino) Sao os banheiros. O Malba , por exemplo, está sem cabides para pendurar os casacos e os secadores a vapor nao funcionam. Esse é o sinal. Me disseram que o dono do museu, Eduardo Costantini, está com dificuldades economicas, mas prometeu manter o museu e seu nível. Ele realmente manteve e cortou onde podia. Na manutençao dos banheiros.
Em compensaçao, há uma divertida feira de arte moderna em Buenos Aires, o Arte BA, na Rural. Sei lá o porque do nome. A feira toda é como as diversas políticas de Franklin Roosevelt para vencer a depressao. Tomadas uma a uma, existem muitas falhas e fracassos nos stands das galerias. Mas o efeito conjunto é animador, entusiasmante. O mais interessante, engraçado, sao duas obras artísticas ligadas à música. Heavy Mental é uma criaçao de um sujeito que fez letras de heavy metal copiando textos de Foucault, Guattari e Lyotard. E tem a ver. Heavy Metal e filosofia francesa contemporanea reclamam de problemas inexistentes em tom sempre derrotista. É engraçadíssimo. Outra experiencia, mais divertida ainda, é o Pequeno Bambi. Um grupo punk de duas cantoras que se fantasiam de gato de teatro infantil e cantam em tom de rock músicas bregas em espanhol, como "Por que será".

quarta-feira, maio 10, 2006

O questionamento da questão

Eu queria ver mesmo "Escravas do amor", adaptação do romance de Nelson Rodrigues sobre Suzana Flag. Mas enganei-me: na noite de quarta, o que é exibido no teatro do Centro Cultural Telemar é a peça "Homo Politicus", uma "reflexão", "questionamento", sobre a "questão" do que é ser um homem político hoje. Não me lembro direito: ultimamente, toda vez que leio que determinada obra de arte - peça, história em quadrinhos, instalação, performance - "propõe um questionamento", "questiona uma proposta", "discute a questão", "questiona a discussão", meu cérebro interrompe as sinapses.
Mas por quê eu fui conferir, mesmo assim?
Porque era barato.
Porque gosto do Clima do Centro Cultural Telemar.
Porque tinha homem pelado.
Explicando a última frase: estava querendo desenhar uns esboços de corpos humanos. Na foto de divulgação, tinha corpo humano pelado. R$ 10 para uma sessão de modelo vivo - negoção.
Sim, foi um bom negócio até minha mão esquerda começar a latejar e eu ter de guardar a caneta. Mas a partir daí, ficou chato. Os atores (dois homens e uma mulher) alternavam poses nus. Um deles ficou na porta, obrigando os espectadores a pular por cima dele para entrar. Uma reflexão, um questionamento,uma discussão sobre como nossa liberdade é limitada por outrem.
Hmmm... entendi, entendi...
Lá pelo meio do espetáculo, um ator me interpelou - acho que era uma forma de provocar reação do público; isso era velho antes de eu nascer - que a minha camisa vermelha o incomodava. "Se eu disser que sua camisa não é vermelha, é azul, aí eu vou dizer que ela é azul, e você , que é vermelha. E vai ter gente dizendo que é amarela. E isso cria um problema. Entendeu?"
Mantive o sorriso discreto. Nestas horas, o mais importante é manter o sorriso discreto. Mas não entendi não. Um oftalmologista diagnostica daltonismo e acaba o problema.
A lembrança mais vívida é mais uma vez experimentar aquele curioso fenômeno físico que acompanha a sensação de tédio e aborrecimento: a calça parece começar a apertar o seu corpo, a bunda parece querer ejetar a base de sua coluna vertebral, não se acha uma boa posição para sentar. A chatice elimina a capacidade de abstração.