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segunda-feira, maio 26, 2008

As veias literárias entupidas da América Latina

"O grande líder se foi nos braços de suas companheiras e rodeado por sua guarda pessoal e de todas as unidades que cuidavam de sua segurança, depois de um breve período de doença". Foi assim que as Farc confirmaram a morte de Tirofijo, Manuel Marulanda, seu líder supremo e fundados. E o que eu pensei quando li o comunicado no jornal foi: o problema da América Latina não é o capitalismo, o imperialismo, a má distribuição de renda, a proximidade com os Estados Unidos. É o sentimentalismo na hora de escrever.
Tudo no comunicado cheira a romantismo de anotação de adolescente do interior do Espírito Santo no dia posterior ao seu primeiro beijo, na festa do Tomate e da Uva no Galpão Municipal. Nada é chamado pelo nome certo. Tudo tem um adorno, um floreio, um exagero. Em vez de "líder", é o "GRANDE líder", afinal de contas, ele não era um líder qualquer - como se houvesse, aliás, líderes "quaisquer", gente banal com capacidade de liderança (o fato de o sujeito ser um assassino inútil não vem ao caso). E ele não se foi desesperançado, sozinho, se cagando, mijando e tossindo, como as pessoas normais morrem não. Foi-se "nos braços de suas companheiras e roedado por sua guarda pessoal e de TODAS as unidades que cuidavam da sua segurança, após um BREVE período de doença". Afinal de contas, se o cara é um grande líder, tem de ser um grande comedor também, porque sabe como é, como latino é ruim de cama, tem de dizer a toda hora que é o contrário, para tentar se convencer disso, e aos outros. Por isso o verso de bolero "nos braços de suas companheiras". É isso aê, mermão, tou morrendo mas tô pegando. Na verdade, as Farc pegam mulheres à força para estuprá-las continuamente, e se companheiras havia ao lado do lamentável moribundo, deviam ser prisioneiras forçadas. E ele também estava ao lado de sua "guarda pessoal", como se fosse um imperador romano, um sátrapa, e "de todas as suas unidades". Toda essa fantasia de Clóvis Bornay em estilo de press-release é para dizer que o sujeito morreu escondido num acampamento. E após um período dee "breve doença". Só falta dizer que ascendeu aos céus que nem a Virgem Maria.
Mas, enfim, foi-se, vai queimar num buraco bem fundo do inferno. O problema é que morre o homem, mas fica o estilo. E essa incapacidade de querermos chamar a coisa pelo nome certo, de olharmos com racionalidade e calma para a nossa realidade, nos fode mais do que as Farc com as adolescentes pobres que eles raptam na base do fuzil.

sábado, maio 24, 2008

Por uns trinta dinheiros a mais

A National Geographic fez um bocado de estardalhaço com o Evangelho de Judas, pergaminho descoberto nos anos 70 cuja tradução foi bancada pela revista e, em 2006, eles disseram, trazia uma interpretação diferente dos evangelhos que fazem parte do Novo Testamento. Neles, Judas era um cara legal, o mais fiel e mais inteligente dos discípulos de Jesus Cristo. Maneiro. Ótima história. Vai de encontro à nossa vontade de espezinhar e futucar a Igreja Católica por crimes cometidos em séculos passados, por ficar nos lembrando que nossos atos têm consequências. Existe instituição melhor para chutar do que uma que já teve muito poder de coerção e não tem mais algum? Se fizermos charges anti-islâmicas, corremos o risco de ter nossa garganta cortada. Esse risco não existe com Bento XVI, vamos chamá-lo de "reacionário", então.
Pois bem, uma professora de estudos bíblicos chamada April DeConick descobriu que no Evangelho de Judas, Judas é Judas mesmo. Ou seja, ele é o cara mau da história. Erros de tradução fizeram com que quando ele fosse citado como o "décimo-terceiro demônio", saísse "décimo-terceiro espírito". Foram erros que April catou antes mesmo de ler o original do Evangelho em copta - bastou olhar a tradução em inglês para ver que tinha alguma coisa errada. Por que April sacou e a vasta equipe contratada pela revista, muitos dos quais eram amigos dela, e tão bons quanto ela no ofício, não? Bem... como Judas, a revista e os especialistas também foram tentados pelo dinheiro, segundo o artigo da "Chronicle of a Higher Education" (o link a ele está no título)

quarta-feira, maio 21, 2008

"Alteridade" no cu dos outros é refresco

Sensacional. Em Cannes, Spike Lee chamou Clint Eastwood de racista porque nos dois filmes que ele fez sobre Iwo Jima, não tinha um negro. Não importa que um dos dois filmes assumisse o ponto de vista do inimigo japonês - isso não vale como prova de tolerância com os diferentes, tinha de ter um negro. Não importa que no filme americano, se mostrasse a decadência psíquica do soldado indígena, tão ou mais valoroso do que os outros, mas que se sente deslocado, deixado de lado, depois de ter arriscado o pescoço pelo seu país, por ser índio - denúncia de preconceito racial só vale se a vítima for um negro. Se ele topasse estudar um pouco de história, até para aprender um pouco sobre a luta dos negros americanos para conquistar seus direitos civis, saberia que na II Guerra, o exército americano ainda era bastante preconceituoso contra os negros, e por isso raramente eles eram mandados para a linha de frente.

Grandes mistérios da Humanidade contemporâneos

Por que os estilistas e jornalistas especializados em moda se vestem como cabideiros de casas de swing, e os jornalistas esportivos são todos fora de forma?

segunda-feira, maio 19, 2008

Esquadrão resgate

Fala-se em "resgatar 68", como se 1968 fosse um filho de empresário do interior de São Paulo. E tome a ouvir os mesmos para dizer as mesmas coisas - o sonho, a vida, a luta, os ideais, o povo nas ruas, o rock, o sonho... por que ninguém segue um pouco além? Ferreira Gullar deu entrevista com um bom ponto de vista: 68 foi um fracasso artisticamente, baixou o nível cultural, e a contracultura foi apropriada pela indústria de consumo, que cada vez piora mais o nível mental de sua platéia.
Para uma análise mais detalhada, é bom tentar achar em algum sebo O declínio do mundo ocidental, título em português dado pela editora Globo à mais conhecida obra de um filósofo "neoconservador" americano, Allan Bloom. O original é "O fechamento da mente americana". Bloom escreveu isso para ser um livrinho sobre educação para ser lido por seus pares, 400 pessoas, no máximo. Foi O sucesso do ano em que foi lançado, 1987. Por que? Ele diz basicamente o seguinte: o relativismo cultural disseminado nas universidades americanas a partir de 68, em que as lendas swahilis passaram a ser tão importantes quanto Tolstói, e aqueles gregos todos passaram a ser "coisa de macho branco", só serviu para tornar os jovens desprovidos de valores. E o problema de ser desprovido de valores não é que você sai dando rasgado ou se entrega às drogas, para usar clichês de Jornal Nacional (Bloom era gay e morreu de aids, por falar nisso). É que você se torna chato. Você deixa de dar um significado maior à sua vida, e se torna igual a qualquer um, a qualquer coisa. Ele dizia que os alunos dele, na década de 80, eram nice - mas nada além disso. Não tinham angústias maiores, desejos maiores, curiosidade maior. Ou seja, 68 pavimentou o caminho do conformismo, e não o contrário.

"Obra em progresso", de Caetano Veloso

Gostei de ter ido e visto. Agora, se é para resumir... acho que assisti a uma Missa Fúnebre da "Geração de 68". Do lado do palco, o que tínhamos era um velhote vestido de presidiário (calça cáqui e camiseta branca) que parecia uma imitação do Caetano feita pelo Chico Anysio - mas era o próprio Caetano Veloso! Visivelmente de saco cheio, fazendo músicas de harmonia cada vez mais primárias para faturar uns trocos, ele entala nelas versos que não cabem na melodia, como se estivesse sentando em cima de uma mala excessivamente abarrotada de roupas e sapatos. A primeira música era algo como
"Subiu
Partiu
Abriu
Sumiu
Nem viu"
Fiquei pensando, à la Maysa: "por que não rimar... 'puta que me pariu'?"
Do lado da platéia, você vê que a geração formada pelos "ideais de 68" - seja lá quais forem - simplesmente abdicou do direito de pensar. Um bando de quarentões e cinqüentões babando como fãs do RBD para qualquer merda que o Caetano falava, devidamente acompanhados de segundas ou terceiras esposas trinta anos mais jovens. Eu me sentia na claque do 'Zorra Total': qualquer coisa que Caetano falasse provocava um mar de gargalhadas. A pior foi quando ele disse "vocês saaabeeeem... que 'ni'... que a geeeeente aquiiiii usaaaa como eeeeeem... na Nigéééééria significa eeeeeeem!!!". A platéia vem abaixo, delírio no Maraca: Caetano Veloso descobriu que existe influência africana na nossa língua!!! Ele acha o quê, que "bunda" vem do latim, porra?
Ah sim, a banda é uma merda. Todos meninos bonitos, com cara de quem não tomam banho e usam roupas de grife tiradas da boca da vaca, o que pega muito bem hoje. Mas não tocam porra nenhuma.

domingo, maio 18, 2008

Li aí umas "críticas" negativas a "O melhor amigo da noiva", comédia romântica que estrelada por Patrick Dempsey, ex-intérprete de nerds de comédias adolescentes dos anos 80. Li que foi considerado clichê, previsível, etc. Bem, vi o filme. É uma comédia romântica. Então, tem todos os elementos de uma comédia romântica. O mocinho é bonito, a mocinha idem. Tem o momento "clip", com música romântica. Tem imagens sensacionais de Nova York, e a fotografia é impecável. Tem piadas com "timing". E mais ou menos sabemos como isso vai terminar. MAS dentro destas características imutáveis, o filme faz um comentário muito interessante sobre os hábitos copulatórios de homens e mulheres na virada deste século, dentro de um grupo social afluente, bem-de-vida - o material de que foram feitos os melhores romances de Balzac e as comédias mais engraçadas de Aristófanes.
Você pode achar que o que eu listei acima é clichê. Mas siga meu pensamento.
Filmes de Antonioni - todos têm pessoas que passam muito tempo sem falar uma com as outras, ou falar o mínimo, porque têm problemas de comunicabilidade.
Filmes de Bergman - começam com pessoas deprimidas, que falam durante o filme porque estão deprimidas, e terminam o filme deprimidas.
Filmes de Quentin Tarantino - todos têm algum assassino psicótico que faz um discurso longo com a referência a algum produto barato de consumo de massa - sanduíches ou histórias em quadrinhos - antes de alguma parte de um corpo humano ser separada do resto à base de muito sangue. Alguma música pop esquecida pontua a trilha sonora. Um ator esquecido de Hollywood faz parte do elenco e tem o impulso necessário para recomeçar sua carreira.
Filmes do Woody Allen - começam sempre com letreiros em negrito e jazz pré-II Guerra.
Filmes de Glauber Rocha - Pessoas desdentadas que parecem não ter tomado banho berram polissílabos incompreensíveis parecendo encerrar grandes verdades sobre problemas que não nos interessam. A câmara perde o foco.
Filme do Hitchcock - Sempre aparece um gordinho de terno numa ponta desnecessária.
Filme de Alejandro González Iñarritú - No início, as pessoas choram, porque sofrem. Depois, sofrem, porque choram. Depois, sofrem e choram. E no fim, descobrem que não há nada mais a fazer a não ser chorar e sofrer, mas com muita dignidade.


Agora alguém explica para mim porque as comédias românticas de Hollywood são "clichês" e a repetição destas idéias acima é "traço autoral".

quarta-feira, maio 14, 2008

Crítica de arte para se entender, não para entendidos

Saiu a lista dos finalistas do Turner Prize, o mais prestigiado prêmio para artistas contemporâneos da Grã-Bretanha, do qual o Guardian é um dos patrocinadores, apoiadores, sei lá. Mas mesmo apoiando, patrocinando, o jornal não se furtou a fazer uma análise hilária dos quatro indicados, e da própria linguagem usada no campo das artes plásticas, cotejando o que disseram os curadores da Tate que indicaram estes talentos e o que acharam os críticos de arte do jornal. Depois de apresentar estes novos talentos, é claro

Ficou assim:

Runa Islam - Nascida em Bangladesh, ela agora vive e trabalha em Londres. Ela usa filmes e vídeos e diz ter sido influenciada em seus trabalhos por Ingmar Bergman e Rainer Werner Fassbinder.
Segundo a Tate, "Isla cria filmes coreografados detalhadamente com narrativas em final aberto que são carregadas analítica e emocionalmente".
Segundo o crítico do Guardian, "perto da etiqueta (da obra de arte quando ela foi exposta) havia uma fila perfeita de ganchos de pendurar casacos de latão, fixados em uma tábua pregada na parede, que eu tomei pelo trabalho em si - até ser alertado gentilmente por um curador-estudante para reparar num pequeno sinal de saída, com o quadro de um homem correndo por uma porta. Este era o trabalho"

Mark Leckey. Descrito como um "dândi dos dias modernos", e conhecido por suas exibições combinando escultura, filme e performance, muitos com referências a ícones da cultura poip como os Simpson e Felix o Gato.
A Tate diz: "Com esperteza e originalidade, Leckey continua a descobrir novos gêneros pelos quais comunica seu fascínio pela cultura contemporânea"
Diz o crítico do Guardian: "A coisa toda se torna uma câmera de terapia de aversão, e faz você nunca mais querer um pedaço de bolo Battenburg na sua vida."

Goshka Macuga. Costuma apresentar obras de arte de contemporâneos e outros artistas como parte de suas instalações, e trabalhos em uma variedade de meios.
A Tate diz: "Encenando uma forma de arqueologia cultural, Macuga usa a colaboração de artistas do passado e do presente em um ambiente dramático que sugere novas narrativas e associações"
Diz o crítico do Guardian: "Ela é muito boa em arrumar coisas, porque, essencialmente, é o que ela faz"

Cathy Wilkes. Nascida em Belfast em 1966, vive e trabalha em Glasgow. Seu trabalho é escultural, usando comumente manequinhs de loja
A Tate diz: "Embora rigoroso, altamente carregado com arranjos de objetos banais e materiais, Wilkes desenvolveu um vocabulário articulado e eloquente que toca nas questões da feminilidade e da sexualidade."
Diz o crítico do Guardian: "Ricamente sugestivo, elíptico, e comoventemente brando, o trabalho de Wilkes faz você sentir o tempo, ver o clima, tocar o espaço"

Até que desta última eles aliviaram.