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sábado, janeiro 28, 2006

As crônicas de Nasdijj. Ou, Enterrem meu Simancol na Curva do Rio

Depois de JT Leroy, mais uma fraude literária foi descoberta nos Estados Unidos: em 1999, um artigo na revista Esquire revelou o talento de Nasdijj, que contava a trágica morte de seu filho adotivo aos seis anos, Tommy Nothing Fancy . Nasdijj relatou a maneira dolorosa como o menino morreu por síndrome alcoólica fetal (não sei se o nome é esse, mas a doença seria causado pelo alcoolismo dos pais). O relato dramático projetou Nasdijj para que ele lançasse The Blood Runs Like A River Through My Dreams, The Boy and the Dog Are Sleeping e Geronimo’s Bones: A Memoir of My Brother and Me - todos livros em que Nasdijj expunha ainda mais histórias trágicas sobre sua vida: como foi violado sexualmente pelo pai branco - inclusive na noite em que a mãe morreu. Mãe, aliás, que às vezes era prostituída por ele. Ah, sim, ela também era alcoólatra. “Minha mãe era uma bêbada incurável. Eu usaria a palavra ‘alcoólica’, mas é muito polida. É uma palavra de pessoas brancas. Não há nada de polido em limpar sua mãe do seu vômito e arrastar sua carcaça inconsciente de volta ao trailer de migrante em que você vive.”

Era muita desgraça para um vivente só. Mas ele mantinha sua dignidade, como mostra um de seus livros em que um trecho ensina ao ignorante leitor cara-pálida os saberes alternativos dos navajos para lidar com a morte: "A morte, para o navajo, é como o vento frio que sopra pelo mesa vindo do norte", retumbou Nasdijj, permitindo que vislumbrássemos um pouco da milenar cultura navajo. "Não falamos disso", arremata secamente.

Muito sofrido e muito digno esse Nasdijj. Mas nesta semana que finda, a edição eletrônica da L. A. Weekly trouxe uma reportagem que jogou um pouco de indignidade e ridículo sobre esta trágica saga nativo-americana: ela teria sido escrita na verdade por Timothy Patrick Barrus, que, antes de botar cocar, fez alguma carreira como escritor gay de livros sadomasoquistas. E nesta outra encarnação, capaz de fraudes: Anywhere, Anywhere deu a muitos que o leram a impressão de ser um relato real de um caso de amor entre dois soldados americanos durante a Guerra do Vietnã - só que Barrus nunca botou os pés no Sudeste Asiático. Antes de consolidar sua carreira literária, ele também ajudou uma exposição de fotos sadomasô de um amigo artista plástico... escrevendo uma carta com o nome falso de John Hammond para o jornal da região onde ficava a galeria, para criticar as fotos, chamar o seu autor de doente e pedir a sua censura. Era o lado Maioria Moral do Navajo Violado Sadomasô Gay Veterano do Vietnã.

O fato de Nasdijj só ter desgraça para contar não ativou o simancol dos críticos e da comunidade literária americana; ninguém reparou que era tudo muito conveniente, o pai representante do eurocentrismo falocêntrico que estupra o filho, tal qual os colonizadores brancos fizeram com a América, a mãe bêbada como metáfora dos Povos da Floresta corrompidos pelos maus costumes da civilização ocidental. Isso só serviu para que seu livro The Blood ganhasse resenhas elogiosas no The New York Times, no Washington Post, o prêmio do Salon Book e fosse chamado de, entre outras coisas, "um poderoso clássico americano". Afinal de contas, Manitu nos livre de pôr em dúvida a palavra de um Nativo Americano.
O curioso é que foi uma crítica negativa publicada em um site sobre literatura que fez a L.A. Weekly descobrir o mistério, graças a uma pesquisa em um engenho de busca: combinando o nome do autor da crítica, que dizia ser parente do talento literário pele-vermelha e lamentava que ele não citasse seus antepassados ilustres europeus, com o nome da suposta filha de Nasdijj, Kree, e o nome do próprio escritor, um pesquisador da revista descobriu Barrus - que tem uma filha chamada Kree, atualmente professora em La Paz, na Bolívia. Lição da história? A Internet pode ajudar muito mais em investigações do que parece. Ah, é claro: o autor da resenha negativa só pode ser o próprio Barrus, repetindo o golpe que deu para ajudar a exposição de fotos do amigo, ainda nos longínquos anos 70.
Copiei muita coisa da reportagem que revelou a fraude, mas quem quiser ler mais, é só ir em http://www.laweekly.com/index.php?option=com_lawcontent&task=view&id=12468&Itemid=47.

Um comentário:

Taroíra disse...

Muito engraçada essa história...