"Você estudou no Salesiano?", perguntou o caixa da padaria em que eu comprava cigarros. "Estudei", admiti, e em seguida olhei para ele apertando o olho esquerdo, como Clint Eastwood em duelo de faroeste de Sergio Leone. "Eu me lembro de você... mas não me lembro o nome...".
Ele deu o nome. É claro, como eu podia ter esquecido? Se houvesse alguém que simbolizasse não o desprezo, mas o ódio e o escárnio total a qualquer interesse por aprender alguma coisa que se ensinasse naquela escola - algo muito comum, aliás - esse era O cara. Infelizmente não viveu na Alemanha no fim dos anos 30: ninguém mais do que ele gostaria de fazer fogueiras com livros naqueles comícios nazistas - embora a cabeça chata e o cabelo carapinha preto provavelmente não fosse pegar bem. Batemos um papo rápido, ele disse que outros estudantes de lá apareciam na padaria, mas geralmente não se identificavam. Daqui a pouco ele cortou:
- Lembra dum japonês?
Eu lembro de muita coisa da escola: surra, cheiro de misto quente, máquina de coca-cola, futebol de salão mesmo depois das luzes das quadras serem apagadas, meninas louras que me trataram mal, meninas morenas a quem tratei mal, meninas morenas que tratei mal de vingança por eu tratá-las mal, a biblioteca da escola. Mas não lembrava de "um japonês".
- Era um japonês inteligente, que estudava prá caramba.
Não ajudou muito. Não, não lembrava.
Isso não o desestimulou e ele foi em frente:
- Pois é. Virou viado.
- Ahn... mas assim é a vida, né?
O subtexto do diálogo é: "tudo bem que eu não tenha aproveitado a chance de uma educação sólida e tenha acabado calculando trocos de cigarros a varejo nesta caixa de padaria. O importante é que eu não VIREI VIADO. Porque o japonês estudou e VIROU VIADO! Já pensou se eu tivesse estudado muito? Eu poderia ter ficado muito inteligente e VIRADO VIADO também, que horror, que nojo, odeio VIADO, Deus que me livre!!!"
Pensando bem, toda aquela educação não foi tão sólida assim.
segunda-feira, junho 12, 2006
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